sexta-feira, 3 de julho de 2009

Fig.2 - Vanessa Beecroft + Eusébio Almeida, Performance, 2008, Nova Iorque.




OS FANTASMAS DO CORPO NA ERA DIGITAL

Quando falamos de sexo, falamos também (quase sempre) da necessidade ontológica de recorrer não só ao imaginário do perigo, à metáfora da violência e aos fantasmas da provocação, como também ao imaginário dos jogos eróticos, dos rituais afrodisíacos e da violação das proibições (quase como se quiséssemos sentir o prazer da vulnerabilidade de viver «rente aos limites incómodos do paradoxo», diria Stig Dagerman. Do paradoxo de não chegar à intimidade das coisas e das pessoas face à virtualização das relações, porque afinal vivemos cada vez mais sentados à frente do computador (rebolamos em cima do teclado, em cima do ecrã, em cima do rato), quase como se toda «a proibição existisse para ser violada», quase como se todos os limites aparentemente ilimitados existissem para ser consumidos, em nome de uma espécie de prazer imediato (felicidade/consolação), apesar da «nossa necessidade de consolo ser impossível de satisfazer», diria ainda Stig Dagerman.

Nesta perspectiva, Dagerman continuaria assim a escrever; «Procuro o que me pode consolar como o caçador persegue a sua própria caça, atirando sem hesitar sempre que algo se mexe na floresta (do ecrã). Quase sempre atinjo o vazio, mas de tempos a tempos, não deixa de me tombar aos pés uma presa. Célere, corro a apoderar-me dela, pois sei quão fugaz é o consolo do sopro do vento que mal sobe pela árvore. Debruço-me. Tenho-a! Mas tenho o quê entre os dedos? (…). Tendo tudo isso, é sempre escasso aquilo que tenho!». Apesar do sentimento algo ameaçador com que somos confrontados ao ler estas palavras, a verdade é que é esta espécie de «neurose obsessiva» da ordem da desculpabilização freudiana que nos impele a desejar intensamente aquilo que nos falta. Será ainda esta noção de «falta» um dos grandes motores daquilo com que desejamos aquilo que desejamos? Desejamos aquilo que nos falta? Falta-nos aquilo que desejamos? (Tudo isto nos parece um interminável processo tautológico).

É por isso que Rosalin Krauss afirma que esta «lógica do desejo», mais do que uma lógica meramente especulativa, agora, é uma lógica da ordem do «real», da «ordem dos corpos», da ordem das «máquinas», tal como foram estudadas por Deleuze no seu Anti-Édipo, quando este refere ao escrever que «o indivíduo completo desapareceu. Deu lugar a uma série de órgãos – seios, ânus, boca, vagina, pénis – que indiciam todos os desejos imperativos de qualquer sociedade dita moderna ou pós-moderna.

No fundo, é esta «lógica do desejo» (tão antiga quanto o próprio humano) que parece continuar a mobilizar, quer o fetichismo das imagens violentamente sexualizadas do «peep show» contemporâneo (protagonizado pela pintura, pela fotografia, pela publicidade, pelo vídeo, pela televisão, pelo cinema, pela Internet, etc), quer ainda pela obsessão do prazer auto-erótico e exibicionista do homem, ao transformar assim o corpo numa espécie de valor facilmente «transaccionável». Tão transaccionável, que consegue levar duzentas pessoas da alta sociedade portuguesa a descer às caves imundas de um hotel (cheio de água e lama estagnada), só para ver uma prostituta nua a roçar-se (em poses diversas) sobre uma pilha de carvão, diria alguém bem informado.

Fig.3 - Tracey Emin, My Bed, 1998, Tate Saatchi Gallery, Londres

Tracey Emin terá dito que chegaram finalmente as camas do amor...




Fig.4 - Paulo Mendes, (EX) Romance, 2000, Instalação, Galeria Zé dos Bois, Lisboa

Paulo Mendes terá dito que chegaram as camas do horror...

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